Alive Stencil

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

E-mail para o Sr. Rui Rio

Venho deixar-vos hoje aqui um e-mail de um grande artista urbano, Miguel Januário aka Caos, que devido ao seu descontentamento com a Câmara Municipal do Porto e os seus executivos decidiu redigir este texto.

Vermelho de Sangue; Verde de Esperança


Que este texto sirva de lição não só para o Sr. Rui Rio mas também para todos os executivos empenhados em "declarar guerra" à Arte Urbana.

Penso que o e-mail diz tudo, portanto sugiro que o leiam na íntegra

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"Boa tarde

O meu nome é Miguel Januário e sou artista plástico. Há mais de uma década que desenvolvo trabalho de graffiti, tanto a nível pessoal, como profissional.
Sou natural do Porto e foi nesta cidade que criei a raiz, com todo o prazer, do meu percurso artístico.

É a minha cidade natal e, apesar de neste momento viver em Lisboa, continuo a desenvolver no Porto todo o tipo de trabalho e procuro continuar integrado no seu desenvolvimento cultural e na participação activa do que poderá fazer o Porto, neste período histórico, uma cidade europeia.
Infelizmente é com grande consternação que vejo a degradação cultural sem precedentes de que esta cidade é vítima, degradação essa que parte do vosso executivo.

É com alguma preocupação e estupefacção (mas não com surpresa) que recebo a notícia da formação de um Gabinete para a Arrumação e Estética da Cidade.
O nome até soa bem e parece mostrar algum nível, mas além de não deixar de mostrar conotações fascizantes, é algo que não me convence vindo de quem vem. Nada mesmo.

Pelo que percebi nos últimos anos, uma das preocupações do vosso executivo é precisamente essa - limpar fachadas.
É tudo muito belo e aprumado, mas penso que um dos graves problemas do Porto (e do nosso país) é, precisamente, o que está para além das fachadas.
O outro problema será o da arrumação. Coisa que, à portuguesa, se faz para baixo do tapete. Algo que o seu executivo não conseguiu resolver, por exemplo, com a arrumação (ou arrumadores) dos automóveis.
Depois de tal promessa falsa e na incapacidade continuada de integração social, viram-se 'agora' para a cultura e para a arte.

Não é com fachadas limpas e janelas novas que a pobreza vai terminar numa cidade que tem mais bairros sociais do que qualquer outra.
Não é com uma política de reabilitação pontual (e de fachada) de casas degradadas no centro histórico, reconstruídas para os mais abastados, que vai terminar com o problema da desertificação continuada da baixa da cidade.
Não é a criação de praças abertas e cinzentas repletas de uma política cultural populista que o Porto vai ficar ao nível de uma cidade Europeia.
Não é nada disto e por ai fora, senhor Rui Rio.

Estou seguro que, para manter esta 'estética', seja necessário 'arrumar' alguns inconvenientes. Entre eles estarão também as pinturas partidárias, tão habituais nos partidos de esquerda (e na história do nosso país, ícones da nossa luta contra a ditadura), partidos que lhe devem causar algum tipo de urticária,
pois levantam algumas questões sensíveis que estão para além do sentido estético e da arrumação. Inconvenientes chamadas de atenção para com esta sua política.

Mas voltando ao assunto pelo qual escrevo e que me toca, vindo do seu gabinete não é algo que me surpreenda e, apesar de mencionar no vosso site de internet que o dito gabinete 'não é exclusivamente para a remoção de graffitis', é algo que não me convence e estou seguro que será, pelo menos, para a não permissão dos mesmos.

Caso desconheça (o que não estranho vindo de carácter mesquinho e conservador), esta actividade artística tem criado, não só a existência de mercados complexos na sua órbita, mas também um período incontornável no panorama artístico mundial e na História da Arte. Mas como a insuficiência e
mediocridade cultural têm sido as bandeiras do seu executivo, acredito que este (anti)movimento seja completamente normal à vossa natureza populista.

Lamentavelmente sinto a cidade do Porto a afastar-se do crescimento não só cultural de outras cidades europeias, mas também mundiais.
Devo dizer-lhe, com agrado e desagrado, que o mesmo não acontece em Lisboa, cidade que percebeu a importância de um movimento artístico contemporâneo e procura integra-lo nas actividades da cidade, assim como na sua própria essência da cidade como pólo urbano.
A CML apoia quase todo o tipo de eventos que estejam relacionados com esta arte e sabe reconhecer a importância, não só de um movimento cultural tão forte, como o seu mercado e o valor de alguns nomes com ele relacionado.

É com um pesar profundo que vejo a minha cidade afundar-se e a voltar ao século passado. Vejo a educação dos seus habitantes regredir à imagem de um executivo fútil, antiquado e obcecado. Um executivo que não sabe estar no presente e que vira os olhos para si próprio e não para a frente e para as pessoas. Um executivo que, apesar de eleito por maioria, o foi por uma maioria ignorante que ele próprio procurou criar e manter.
Uma cidadania populista e sem pensamento crítico - um eleitorado arrumado pela fachada. A fachada dos bairros pintados, dos carrosséis, da música e do teatro pimba e das pistas de gelo.

Vivo na ânsia de ver passar os três anos que faltam para esta mancha suja sair da cidade e voltar a ver o Porto ser um pólo europeu de cultura.
Espero que um dia o Porto ultrapasse esta paragem cardíaca. Que recupere deste atraso, desta lobotomia. Que saia deste buraco que vocês criaram.
Que se desprenda de um presidente obsessivo compulsivo, um cancro, uma doença grave.

Até lá vou continuar a pintar na cidade sempre que me seja possível e vou continuar a apoiar e a participar em todas as actividades culturais que partam dos anónimos cidadãos do porto, preocupados e obstinados em tornar a cidade do Porto num verdadeiro porto de pessoas, de culturas, de actividades e de crescimento.
Não num porto abandonado, mal-cheiroso e controlado por piratas com cara de pau.

Reconheço que esta força anónima existe, em parte, porque é preciso contrariar o sistema por vós criados. Aqui só lhe agradeço. Por ter criado, em certos grupos, a insatisfação e a vontade de mudar. Por ter dado o mote para que muito do que existe hoje na cidade seja derivado da vontade individual dos habitantes em contraria-lo, a si e à sua política.

Apesar disso, tenho todo o prazer em mantê-lo informado e convida-lo, desde já, para diversos eventos e inaugurações que irão acontecer na cidade durante o ano de 2011, tudo para que perceba que este movimento irá durar muito mais tempo e ter uma presença na História muito mais marcante do que aquela que alguma vez o senhor ou o seu executivo terá.

Cumprimentos
miguel januário"

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E está tudo dito!

You Can't Stop Street Art!

2 comentários:

  1. Li o email todo sim e o Miguel Januário é, na minha opinião, um dos artistas portugueses mais inteligentes a actuar na rua. Para mim ele é mesmo, porventura, o mais amadurecido em termos de intervenção, e só peca por se apoiar demasiado na palavra e menos na imagem. O Miguel Januário e o ADRES são os melhores no panorama nacional. É só a minha opinião. É fixe teres ido buscá-lo.
    Já agora, como é que arranjaste este mail? Tu já pareces a Wikileaks, a divulgar os mails secretos HAHAHA
    abraço ;)

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  2. De facto, concordo contigo, ele é um dos melhores em território nacional!
    Não, isto não é obra do Wikileaks eheh Foi mesmo a partir da página do Facebook do Miguel Januário.
    Continua a vir ao blog e a deixares a tua opinião, todas são bem-vindas ;)
    Abraço

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